sábado, 31 de agosto de 2019

Entrevista com Serpent Rise.


O cenário nacional há anos está repleto de bandas de qualidade. Se por um lado a arte como um todo não tem seu devido reconhecimento por aqui, por outro há aqueles que insistem em expor ao mundo aquilo que amam fazer, independente de todas as dificuldades que a falta de uma estrutura adequada possam trazer, e frear expectativas de um lugar ao sol. O Serpent Rise de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, vem desde 1993 percorrendo os caminhos arrastados do Doom Metal, e mantem a chama acesa e a expectativa de doomers ao redor do mundo com o relançamento de seu debut Gathered By... de 1998, que até pouco tempo era uma famosa "mosca branca" para os colecionadores.
Com a palavra o vocalista Agnaldo Gomes e o multi-instrumentista Julio Wojciechowski.

M&L – Vamos começar falando do início do Serpent Rise. Como vocês se conheceram e o que os motivou a tocar algo tão contrário ao metal que se fazia no Brasil, marcado pela velocidade?
Agnaldo – Eu e o Julio nos conhecemos desde o final dos anos 80 e de certa forma tocamos juntos desde então.  Nossa parceria musical começou com a Nuctemeron (Death/Black/Grind), depois estivemos na primeira formação da banda Garbage (Death Metal) até final de 1992, então sentimos que nossas ambições com a música iam muito além do que criar musicas rápidas e resolvemos criar a Serpent Rise.  É impossível não falar aqui que muito nos influenciou o fato de sermos tape traders e na época recebemos muitas fitas com bandas undergrounds, lançamentos vindos de fora  e entre eles a demo tape do Paradise Lost, o  Forest of Equilibrium do Cathedral e isso foi fundamental para nossa decisão de seguirmos esta linha musical.

Julio – Acho que o Agnaldo respondeu tudo, poderia acrescentar em termos históricos, acho que nunca falei sobre isso em entrevista alguma, depois da Nuctemeron, tive um projeto de Grind Core chamado Skull Grinder, onde de fato comecei a compor, logo em seguida o Agnaldo me convidou para a Garbage que estava no início onde contribuía com composições junto com outros membros da banda. Com o tempo, minhas composições já apresentavam uma queda para o que chamam hoje de Death Doom, tanto que, duas composições originalmente escritas por mim para Garbage, foram deixadas de lado na época e logo em seguida, quando saímos da banda e fundamos a SR, aproveitamos para Anastenárides, por isso essa demo tem a pegada que tem.

M&L – O Rio Grande do Sul já tinha uma cena metálica consolidada nesta época.  Como era o movimento no estado?
Agnaldo – Bom, eu penso que não só naquela época , mas até os dias atuais, o underground gaúcho é celeiro de ótimas bandas.  Naquela época lembro-me que Krisiun, Leviaethan, Blessed se destacavam bastante e na contra mão surgimos nós (Serpent Rise) com uma proposta sonora diferente e um direcionamento do trabalho amplo.  Eu não digo que tenhamos influenciado outras bandas , mas creio que nosso pioneirismo incentivou ainda mais o surgimento de outras bandas  explorando o estilo e dando seu toque pessoal.

Julio - O underground gaúcho era everfescente na época. Em uma época pré SR (somos experientes hehehe) já haviam bandas fudidas como Sarcastic, Apostasia, Dissector, Satanic Voice, Psychopatic Terror (banda do falecido Paulo Schroeber na época), nossos irmãos que conhecíamos pessoalmente no qual trocávamos correspondências, flyers, demos, etc... isso falando especificamente do nosso estado.

M&L – Na biografia da banda, vocês fazem questão de frisar que um dos melhores momentos da carreira foi aquele show no BHRIF (BH Rock Independent Fest) em Belo Horizonte no ano de 1994, abrindo para Anathema e Dorsal Atlântica. Eu estive neste show, foi quando conheci o Serpent Rise e sempre menciono que foi uma das melhores apresentações que já presenciei num palco, sendo a banda mais aclamada da noite. Fale sobre o evento.
Agnaldo – Bom, deve-se analisar o fato de que na época, em que fomos convidados para tocar no B.H.R.I.F,  a banda ainda era relativamente nova na cena e estávamos divulgando há pouco tempo nossa primeira  demo tape.  Nós eramos jovens e nossa expectativa com a banda era conseguir algo ao passar dos anos e não em questão de meses, por isso, ter iniciado nossa trajetória em um mega festival (para época) é algo que nunca vamos esquecer.  Além do que receber comentários e críticas positivas sobre nossa performance, nos deixa cada vez mais motivados a seguir compondo mais músicas e tocando em todos os lugares que nos chamarem. 

Julio – Legal, você estava lá e viu, nós fomos pegos de surpresa com tamanha aceitação e respeito do público, acho que não é exagero dizer que representamos à altura o Doom Metal nacional. Aquele evento penso hoje, que foi um outlier, pois bandas como nós, iniciando e totalmente desconhecida, teve a chance de subir em um palco com nomes já consolidados na época, me lembro de ter comentado com Carlos Vândalo que a música Álcool era um hino, hehehe, jogamos um futebol rápido com o pessoal do Anathema no lado do palco entre as passagens de som. Pelo menos pra nós, aquele evento foi um divisor de águas em nossa percepção como artistas, todos os comentários advindos daquele evento foram positivos e ajudaram uma banda que estava começando sua jornada.

M&L – Qual a repercussão da demo Anastenárides e a importância da faixa Betrayer God ter feito parte da coletânea The Winds of A New Millenium da Demise Records?
Agnaldo – Para a demo “Anastenárides” nós usamos o espírito “tape trader” , ou seja, não vendemos as cópias, nós pedíamos que os interessados mandassem uma fita k7 virgem, ou com alguma gravação de bandas da sua cidade / país ,  selos para postarmos de volta e assim distribuimos muitas cópias pelo Brasil e mundo.  Já a faixa que faz parte da coletanea “The Winds of a New Millenium” é importante porque é o nosso primeiro registro no formato CD e lógico por estarmos figurando entre bandas de prestígio na cena brasileira.
Julio – Essa pegunta é boa, originalmente a faixa que havíamos escolhido para a coletânea era Misericordium e não Betrayer, mas eu acho que os caras gostaram mais de Betrayer sei lá, mas fomos surpreendidos positivamente eu diria.

M&L – O até então único full length da banda “Gathered By...” foi lançado através da Megahard e durante muitos anos foi um ítem raro e desejado pelos colecionadores do país. Agora ele foi relançado com duas demos de bônus pela Nuktemeron Productions. Fale de Gathered By...
Agnaldo – Gravamos o “Gathered by...kharma” em 1996 , só conseguimos lança-lo dois anos depois , em 1998, e acredito que para a época este álbum foi muito avantgarde.  Lembro-me que um dos mais famosos redatores de uma importante publicação metal do país na época, não conseguiu resenha-lo porque o álbum estava à frente do que era produzido na cena brasileira. Atualmente o álbum recebe resenhas que conseguem expressar o que nós queríamos passar com nossa música há anos atrás. Foi um álbum que passou desapercebido, porque a gravadora não investiu em promoção para ele, porém, ele se manteve vivo e atual em sentido amplo.  No final do ano passado, após muitos anos recebendo e-mails e mensagens de pessoas desejando adquiri-lo, então, encontramos no selo Nuktemeron Productions a confiança e parceria necessárias para tornar este re-lançamento comemorativo de 20 anos em uma realidade.  Então o Julio, em seu estúdio Loudness Art, remasterizou todas as músicas do “Gathered by...” ,as demos tapes e juntamente com o Fabio evoluímos a ideia inicial para um relançamento em versão dupla.  

M&L – A faixa In The Cosmic Sea é sensacional, uma de minhas favoritas. Mas ela tem uma passagem de aproximadamente 1 minuto em que quase não se ouve nada, que sempre me deixou encucado. Daí a pergunta, esta foi mesmo uma intenção de vocês ou algo deu errado na produção, deixando o som mais baixo que o previsto?
Julio – Excelente pergunta, isso também me incomodava, todavia quando fiz a remasterizarão dela, aumentei essa passagem. Mas sim era intenção de ser do jeito que foi, mas ficou muito baixo na original lançado em 98. Pecamos um pouco em algumas partes na produção do álbum, foram 100 horas de estúdio, para nós foi difícil e tinha muita coisa em jogo, certamente algumas coisas escaparam do nosso controle, mesmo eu ouvindo todas as audições e presente em praticamente 90% das audições, mesmo assim, hoje com um olhar mais de produtor e menos de músico, vejo o quanto aquele material foi bem captado e nossa sonoridade foi atingida, a própria música que você citou como favorita eu estava gravando o solo da parte mais rápida e eu simplesmente atravessei o andamento na minha cabeça e continuei tocando até terminar o take, olhei para os caras que estavam fora do aquário de gravação com um semblante de quem fez merda e atravessou tudo e os caras: não, tá massa, ficou ótimo, é isso mesmo, kkkkkk. Bem, essa pequena historinha serve pra reforçar o que penso, um bom álbum requer coisas as vezes antagônicas, como planejamento e acaso, e um pouquinho de sorte, se não fosse meu erro, a música não sairia do jeito que é.

M&L – Em 2008 vocês lançaram o EP Euphoric Waves of Melancholy pelo selo próprio Doom Whorshippers. Fale um pouco do selo. A intenção é apenas para lançamentos do Serpent Rise ou pretendem fechar contrato com outras bandas de Doom?


Agnaldo – Eu criei a Doom Worshippers Productions para poder gerenciar , divulgar  e realizar varias ações para as bandas ao qual eu estou envolvido como músico, ou seja, Serpent Rise, Arcanum XIII e Monochrome Life. Eu cuido da divulgação, dos contratos para relançamentos e quem sabe no futuro fazer os lançamentos também.  O EP - “Euphoric Waves of Melancholy”(2008) foi uma experiência importante.

M&L – Confesso que fiquei admirado com o som do EP. Imaginei que a banda iria seguir uma linha mais atmosférica, como já dava a entender a música Travelling Free... mas temos quase um Funeral Doom, com vocais guturais e limpos que elevaram o som da banda a um novo patamar. Por que o EP não foi tão divulgado, ou até mesmo porque na época não optaram por um álbum completo.
Agnaldo -  Bom, em 2005, o Julio por motivos profissionais foi morar em outro estado, então, eu continuei as atividades da banda com outros integrantes e no período de 2006 à 2008 estávamos trabalhando em novas composições para um novo álbum porém, sentimos a necessidade de proporcionar uma amostra para todos os amigos  e lançamos o Ep.  Logo que lançamos o “Euphoric Waves of Melancholy” a banda perdeu integrantes e isso me desmotivou, naquele momento, a continuar insistindo em um line up completo, então, eu suspendi a comercialização, divulgação do Ep.

M&L – Você já informou que podemos esperar um novo álbum do Serpent Rise. Como ele está? Podemos esperar algo na linha de Euphoric Waves?

Agnaldo – Em 2009 , eu procurei o Julio para uma conversa e expus minha ideia de retomarmos nossa parceria musical, mesmo morando em estados diferentes, pois o grande objetivo seria preparar o segundo álbum da Serpent Rise e continuar as atividades da banda sendo apenas um duo.  Desde então foram feitos alguns investimentos em equipamentos, cursos , o que possibilitou ao Julio montar seu próprio estudio – Loudness Art -  e desde então estamos compondo  novas músicas para o segundo álbum que esperamos ficar pronto logo.

 Julio - Bem, o que temos para um segundo trabalho, é na verdade uma mistura de músicas que não foram gravadas em 2009 com material mais atual, é aguardar para ver.

M&L – O Metal e Loucuras agradece imensamente vossa participação. Deixem um recado para a galera que segue  a página.

Agnaldo -  Eu quero dizer obrigado Nilson & “Metal e loucuras” por nos ceder este precioso espaço e nos oportunizar contar um pouquinho da nosso história.  Um especial obrigado e abraço a todos os leitores e continuem apoiando nossos webzines , zines , bandas , selos e shows.  Stay Doom!

Julio – Obrigado pelo honroso espaço e pelas excelentes perguntas.

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