domingo, 27 de novembro de 2022

Entrevista com Deep Memories!


Não estou aqui para dizer que o Doom Metal é melhor nem pior que outros estilos de Metal, mesmo porque temos tantos subgêneros tão maravilhosos sob o alicerce do mundo metálico que eu seria no mínimo injusto com uma afirmação desta. Mas certamente o Doom Metal é aquele estilo capaz de tocar a alma do ouvinte com mais facilidade, uma vez que ele geralmente carrega uma camada de sentimentos tão variada, numa densidade profunda, que é impossível ficar impassível em sua presença. Obviamente a melancolia e a tristeza são a premissa do estilo, mas a fúria, o desespero, a bonança em um momento e a agitação em outro, e até a alegria, são emergentes deste estilo muitas vezes relegado ao underground e muitas vezes incompreendido devido à sua soturnidade. E se você questionar a palavra "alegria", pense da seguinte forma. De onde vem o sorriso no rosto ao se deparar com uma obra de metal que você ouve pela primeira vez e de imediato tem a certeza de ter encontrado um tesouro que guardará até seus últimos dias de vida? Garanto que essa alegria, você que ainda não conhece o som do Deep Memories, irá sentir ao ouvir seus dois trabalhos lançados até o momento. Acompanhe agora as palavras  da mente por trás deste som, com o músico Douglas Martins.

M&L – Douglas, comece por favor falando da escolha do nome “Deep Memories”.

Douglas Martins: Obrigado pelo espaço Nilson! A ideia do nome veio da intenção de vincular toda carga emocional acumulada ao longo da minha vida, desde a infância até a fase adulta que geraram marcos, sendo eles positivos ou negativos e que o nome tivesse uma conexão com as composições, que tem em sua maioria, este viés emocional. Eu cheguei a pensar em outras opções de nomes, mas “memórias profundas” engloba tudo que pode estar debaixo do véu da psique.

M&L - Você gravou o EP “In Too Deep...” que abriu as portas para o lançamento de um full, no caso o “Rebuilding The Future”. A repercussão para este full foi mais longe que o esperado, ou após finalizado você pensou: “Que puta álbum isso ficou”?


Douglas: Um pouco dos dois. Quando finalizei o Rebuilding... estava enjoado de tanto ouvir o material e decidi “limpar a mente”, passei a ouvir bastante The Beatles (que normalmente não ouço) ficando sem ouvir o álbum durante duas semanas. Aí coloquei para ouvir no meu carro, que é minha principal referência, é onde ouço as bandas que me acompanham durante a vida e o resultado me impactou, achei que tinha ficado um material muito superior do que eu imaginava, tanto na parte de gravação, timbragem, masterização... as composições também estavam bem encaixadas, enfim, sabia que era um bom álbum, mas nunca, nem de longe imaginaria que teria a repercussão que teve. Quando as pessoas começaram a comentar sobre o EP e depois quando saiu o álbum completo, nossa, foi surreal. Sou eternamente grato às oportunidades que surgiram, sou muito grato a todos que tiraram seu tempo para ouvir uma banda que tinha acabado de se materializar.

M&L – Todos sabem que você é o mentor e único membro do Deep Memories, e você grava todos os instrumentos. Tem algum que você ainda tem mais dificuldade, aquele que exige mais atenção porque ainda não flui da forma que você queria, ou você fica à vontade em todos eles, incluindo o vocal? E, se existe algum deles, da forma contrária, em qual frente você fica mais à vontade?

Douglas: o que mais exige dedicação é a bateria, sem dúvidas. Realmente escrever as linhas de batera sem usar nada sequenciado, escrever nota por nota, colocar a dinâmica em cada nota, pensar em todas as viradas, acompanhamentos, não repetir padrões, sem dúvidas, é a que mais desgasta. Mas quando fica pronto, ouço e ficou orgânico, não tem preço. As cordas e vocais são os mais fáceis, tenho uma facilidade com esses dois segmentos, a guitarra é meu instrumento principal, sempre gostei muito de tocar baixo também e os vocais rasgados e guturais saem sem muito esforço, me dediquei mais aos vocais limpos neste novo álbum, mas nada específico, aprendi a aquecer a voz e a entonação permanecia, isso foi muito legal. Os teclados são uma viagem a parte, não tenho muita técnica, mas consigo me expressar através dele, para o que a música necessita.

M&L - Você ficou conhecido por tocar no Desdominus por quase 10 anos, que é um estilo diferente. O som mais arrastado, sendo o death/doom a base do Deep Memories, é o seu estilo preferido de música?

Douglas: O meu estilo preferido é o heavy metal juntamente com o Gothic Metal. O heavy metal sempre foi e sempre será o estilo que nunca sairá das minhas audições diárias, por mais que as vezes eu tenha fases intensas de audição de outros estilos como o Black, Death e Doom metal. Gosto muito do Death Metal melódico do início dos 90 - “o som de Gothemburgo”, mas sempre volto para o heavy e gothic metal.

M&L – Ouvindo “Rebuilding the Future” a primeira lembrança, logo nos primeiros minutos de “When the Time For My Last Breath Comes” é o Katatonia da Suécia, num híbrido entre o “Dance of December Souls” e o “Brave Murder Day”, que são álbuns que eu amo! Mas com a evolução do álbum, vários outros aspectos musicais são apresentados, tornando o som muito rico e cheio de sentimentos. De onde você tira suas inspirações?

Douglas: Eu também gosto muito desses dois álbuns, em especial o Brave Murder Day (o melhor deste


estilo na minha opinião). O sentimento deste álbum, em especial a música Day... nunca ouvi em outra banda. 
As inspirações para o Deep Memories vem sem dúvida do meu mundo interior e o efeito que o mundo exterior gera nele.... os riffs da guitarra saem naturalmente enquanto pratico a guitarra e depois, quando vou montando a música, eu a ouço tocando na minha mente, não sei explicar muito bem. Não direciono: tenho que soar deste jeito ou daquele jeito. Tenho a felicidade de compor, fazer o que sai naturalmente e depois as ideias vão surgindo, alguns riffs se modificando e se complementando.

M&L – O álbum também foi lançado no Japão e na Rússia. O retorno do público nestes lugares tem sido bom?

Douglas: Foi ótimo em ambos - este lançamento nos dois países abriu várias portas para o Deep Memories. Na Rússia tive um retorno maior de headbangers, talvez pelo estilo ser mais difundido lá - a Solitude Productions talvez seja a maior gravadora underground de Doom Metal do mundo. No Japão a interação foi menor com pessoas, sendo mais marcante em websites.

M&L – E de repente surgiu a oportunidade de lançar o debut em forma de vinil. Eu imagino a sensação pela qual você passou com esta alternativa, pois acredito que você tenha vivido um pouco os anos de ouro do vinil.

Douglas: Foi realmente surreal. Agradeço muito ao Alexandre da Neves Records e ao Wilton da Heavy Metal Rock por este marco. O Wilton apresentou o som do Deep Memories para o Alexandre e ele demonstrou interesse em lançar e assim seguimos. O álbum foi remasterizado pelo Ricardo Biancarelli do Estudio Fuzza e trouxe realmente a sonoridade perfeita para o vinil, pois o álbum foi gravado e masterizado originalmente de maneira digital. Quando o Neves me ligou falando que o álbum estava pronto, até filmaram minha reação, foi muito emocionante! E poucos dias depois estoura a pandemia... Mas, mesmo assim o disco vendeu muito bem.

M&L – E após 3 anos chegou a hora do novo trabalho ver a luz do dia. “Why Do We Suffer?” chegou em meio a grandes expectativas dos fãs. Levou muito tempo pra ele ficar pronto? Fale também do conceito lírico.


Douglas: Levou um bom tempo pois durante a pandemia por muitas vezes pensei em deletar todo o álbum. Estava sem motivação nenhuma, foi uma fase bem difícil. Se pegarmos os períodos de atividade entre gravação, mixagem e masterização durou ao todo uns 3 anos. Descontando o período da pandemia foram uns 15 meses. Mas eu interagia com a gravação apenas aos finais de semana. Apenas na fase de edição e mixagem eu segui uma rotina mais intensa, concluindo em abril/22. 
A parte lírica do álbum gira em torno do sofrimento humano. Muito antes de começar a compor as músicas já tinha essa ideia em mente, infelizmente amigos e familiares se foram de maneiras trágicas (esse contexto lírico já existia para mim bem antes do Covid-19) e comecei a listar algumas palavras que traziam a reflexão sobre o porquê sofremos, sendo os principais: doenças, abandono, egocentrismo, apego, complicações em relações familiares... e as letras, cada uma delas, me transportou a estes momentos, onde procurei narrar o que estava preso em minha mente.

M&L – O que logo chama a atenção no novo álbum é que ele transmite uma maior crueza, como se algumas camadas fossem limadas em prol de uma proximidade mais efetiva do ouvinte com o sentimento que o som quer passar. Você concorda com esta visão?

Douglas: Eu tive a intenção de focar este álbum mais na sonoridade das guitarras. Se você reparar perceberá que os teclados e corais estão mais discretos, porém fazem parte da massa sonora que o Deep Memories trouxe no “Why Do We Suffer?”. Eu realmente me preocupei com que as linhas dos riffs e solos fossem preservadas. É um álbum mais introspectivo, mais direto, mais impactante.

M&L – E as variedades nos vocais estão sensacionais, seja nos guturais que estão mais imponentes, nas vozes limpas e muito bem executadas ou até nos momentos mais narrados, percebe-se o cuidado que você teve para uma experiência ímpar do fã.

Douglas: Obrigado mesmo pelos comentários! Como comentei anteriormente, tive uma facilidade maior para lidar com os vocais desta vez graças a uma sequência de aquecimento vocal que aprendi antes de iniciar as gravações, isso fez com que não houvesse desgastes desnecessários na voz. Gosto muito de fazer vocais guturais e os vocais limpos e com esse aprendizado, consegui extrair mais da voz – as narrações sempre rondaram minha mente, desta vez havia espaço para elas e ficaram bem conectadas aos sons e as letras. Gostei muito do resultado.

M&L – E temos até momentos mais progressivos como no final de “Get Away From Poison”. São alguns elementos adicionados com sutileza que enriqueceram o som do Deep Memories.

Douglas: Realmente vários elementos de Prog estão ali, nos dedilhados com delays longos, ambientação com várias camadas de guitarra, alterações de andamento, tudo isso gera um impacto interessante na canção e consequentemente no trabalho como um todo. Eu simplesmente adoro ouvir prog, principalmente prog metal e alguns clássicos do prog rock.

M&L - Você, que já foi frontman de uma banda que subia no palco, agora fica mais na obscuridade, criando e divulgando seu som. Com estas duas visões, e diante de tantos outros projetos One Man Band que vão surgindo, como o brasileiro Litosth e o sueco Doom:VS, percebe ou já presenciou algum preconceito do headbanger mais conservador que não valoriza este tipo de formação, ou as “OMB” já se tornaram parte da cena e têm seu lugar como todas as outras bandas?

Douglas: Se existe este tipo de preconceito por parte dos headbangers eu particularmente não percebi até hoje. Normalmente essa turma da “patrulha metal” que tendem a ditar regras, quando não gostam de algo, falam nos bastidores, pelas costas, nunca dão as caras. Mas se houver esse preconceito, seria apenas mais um em uma sociedade que se mostra doente e corrompida. Eu sinceramente estou cagando para o que hipoteticamente possa a vir a ser discutido nos santos tribunais e catacumbas desta “patrulha metal”. Acredito que o ser humano tem espaço em qualquer lugar neste planeta, desde que primeiramente ele o conquiste internamente. A arte no geral, mas especificamente a música extrema, sempre será acolhida por alguém que se identifique. Então é natural que expressões artísticas, por vezes incompreendidas, acabem por conquistar seu espaço. O esforço para difundi-la naturalmente é maior, mas se há uma crença interna no artista de que sua arte possa contribuir ou influenciar positivamente a existência de um outro ser, esse esforço vale a pena. O metal é o alimento da minha alma, se outros bebem da mesma fonte, podem se identificar, o que é muito legal, e se não se identificarem, também está tudo ok!

M&L – Douglas, agradeço muito sua participação aqui na página, você comemorando o lançamento de um novo álbum e o Metal e Loucuras comemorando 13 anos ajudando a manter a chama do metal acesa. O recado final é seu.

Douglas: Agradeço imensamente o espaço cedido e pela perseverança de seguir divulgando o metal durante 13 anos! Obrigado e até a próxima!


 

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